Quarenta anos de equívocos na educação ainda esperam por soluções

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No Brasil, hoje, 50 milhões de pessoas estão matriculadas em algum curso, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, do fim de 2015. Mais precisamente, um em cada quatro habitantes. A um custo de 6,5% do PIB no sistema público dos três níveis – federal, estadual e municipal. O sistema privado contribui com estimativas que acrescentam mais 2% do PIB a essa ordem de grandeza. O problema da educação já foi dinheiro, agora não é mais. Já foi falta de escolas para ampliar matrículas, de que está bem servido o sistema, de maneira geral. No entanto, os desafios que se apresentam para a educação vêm de quatro décadas e permanecem.

Se o diagnóstico sobre os desafios da educação é o mesmo há pelo menos quarenta anos, consensual em todas as correntes de educadores e expostos nas políticas de todos os governos de qualquer partido político, por que não foram superados até hoje? As barreiras ao desenvolvimento e à qualidade dos serviços públicos e da formação no Brasil são estruturas pesadas. Para se arrastarem milímetros em direção ao futuro e à correção de equívocos históricos, são necessárias verdadeiras revoluções que poucos têm disposição para promover, pois um período de governo tem sido suficiente apenas para lançar programas que garantam sucesso eleitoral imediato e, mesmo bons programas, são depois destruídos pela má gestão do que foi feito de forma açodada.

Antes de iniciar-se o atual governo, uma instituição da iniciativa privada encomendou a dez especialistas uma exposição sobre o que, a seu ver, seriam os desafios para educação nos anos próximos e todos, em consenso, relacionaram os mesmos problemas. Formação dos professores, currículo do ensino médio, a gestão das políticas educacionais, a resistência das corporações da área e a falta de uma política de mérito.

Em um primeiro lugar está a formação dos professores. Como expôs o professor e consultor internacional da educação, Claudio de Moura Castro, exige-se uma reforma radical das faculdades de educação para que a formação tenha foco na sala de aula. Outros critérios para essa reforma: “Reduzir o tempo gasto em ideologia, discussões doutrinárias e teorias rarefeitas”.

Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE, também consultor internacional com laços em Harvard, Stanford e Berkeley, atualmente pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), dá o mesmo destaque a essa questão e enfatiza que os professores estão saindo da faculdade de pedagogia sem saber ensinar.

É preciso reformar a carreira do magistério, dar ao diretor ferramentas para governar sua escola e oferecer uma remuneração compatível aos mestres que jamais serão valorizados se continuarem a ser tratados em manadas e não de acordo com a qualidade de seu desempenho.

Isso não é difícil de fazer, mas tudo o que as corporações do magistério não querem é uma política de mérito para a carreira, os incentivos. “Tem uma resistência muito grande de sindicatos de professores quanto a qualquer tipo de política baseada em desempenho”, afirma Schwartzman.

Os Estados são responsáveis pela escolas de ensino médio e os municípios pelas do fundamental, mas os professores são formados por faculdades que não têm nenhum contato com a rede escolar estadual ou municipal. “Teria que ter, por parte das secretarias de educação, um envolvimento muito mais forte na formação dos professores que eles precisam nos seus sistemas”. Os sindicatos, a força corporativa, resistem muito a tudo isso, e os políticos que assumem a condução das políticas educacionais evitam transformações por causa da pressão das corporações”, afirma Schwartzman.

O consultor internacional e nacional Hélio Barros, que já transitou entre os ministérios da Ciência e Tecnologia e da Educação, entre os sistemas federal e estadual de ensino, ampliando sua experiência com os problemas das diferentes esferas administrativas, dá relevância à questão do currículo comum do ensino médio, grau de ensino campeão dos históricos desafios da educação, no Brasil, tanto do ponto de vista da quantidade quanto da qualidade.

“O medo do ensino profissionalizante é um defeito histórico nosso”, afirma, mostrando como a educação está impregnada de ideologia e política eleitoral. “As consultas públicas para a reforma dos currículos resultaram em dez milhões de sugestões, especialmente da esquerda, mas da direita também. Alguns, por exemplo, sugerem tirar a Europa dos livros de história.

“Não se consegue tirar a educação da política eleitoral, tudo é feito com açodamento para caber no período de uma administração, para chamar atenção na campanha eleitoral seguinte. O Pronatec e o Ciência sem Fronteiras, dois excelentes programas, foram destruídos por isso. Foram derrubados na execução”.

Claudio de Moura Castro assinala que o ensino médio é um grande desapontamento, permanecem vigentes os excessos de conteúdos e disciplinas. Para Schwartzman, nesse nível de ensino ainda persistem empecilhos à expansão, pois há muitos adolescentes estudando à noite, o que ele considera absolutamente inadequado. “A Educação tem dois grandes desafios, um novo e um velho: levar a bom termo a discussão sobre a privatização e os conteúdos do ensino médio e formação de professores”.

A privatização, por sinal, é o grande paradoxo político e a grande discussão que anima o debate de Organizações Não Governamentais da educação, faculdades públicas privadas e entidades de classe. Destaca-se, nessa discussão, o fato de que foi no governo do Partido dos Trabalhadovres que os instrumentos aos quais se atribui hoje a mola da privatização do ensino superior se ampliaram e transformaram-se realmente em garantia de equilíbrio no financiamento dos complexos escolares privados.

O ex-presidente do IBGE lembra que o ensino superior, no Brasil, é 75% privado. “Portanto, essa discussão está ultrapassada. O governo está financiando isso pesadamente, por meio do Prouni, do crédito educativo (Fies).”

O custo do aluno no sistema público é muito maior que no sistema privado, diz o professor, acrescentando que a qualidade nem sempre é melhor, “às vezes é, às vezes não é”. A seu ver, não se vai reverter facilmente essa desigualdade. “O que se tem que fazer é o governo continuar financiando em certa medida o ensino privado”.

Claudio de Moura Castro considera o Prouni, que como outros programas não foi inventado, mas ampliado significativamente nos governos do PT, o maior destaque da política educacional. Recomenda Schwartzman: “Com mais avaliação de qualidade, e não simplesmente dando mais dinheiro, é uma medida a continuar”.

O ensino médio, ao contrário, é 80% público mas, para Simon, nem por isso se deve dizer que é preciso privatizá-lo. Dar maior autonomia a Estados e Municípios para conduzirem suas políticas na educação básica é um desafio ressaltado pelos três consultores, a propósito da sua responsabilidade nesses níveis.

Não veem como aumentar o gasto com educação em futuro próximo, dada a situação da economia, mas melhorar a gestão dos recursos é possível. “No setor público temos um problema de gestão muito sério, é preciso criar formas de gestão em que o setor público seja mais responsável pelo resultado”, afirma Simon.

As universidades federais, por exemplo, sofrem de um mal que se aprofunda há décadas: recebem muito dinheiro público e não têm nenhum mecanismo pelo qual possam ser responsabilizadas”. Simon Schwartzman cita um estudo da consultoria Mackenzie sobre o desempenho da educação no mundo inteiro no qual a conclusão principal é de que nenhum sistema é melhor do que a qualidade dos seus professores. O resto busca-se no computador.

Fonte: http://www.valor.com.br/brasil/4545273/quarenta-anos-de-equivocos-na-educacao-ainda-esperam-por-solucoes